domingo, 6 de fevereiro de 2011

GÊNESE DA IGREJA DE CRISTO


Pr.Romildo Gurgel

1 – IGREJA NOME E SIGNIFICADO
A palavra Igreja é proveniente do grego, ecclesia, significando os chamados para fora. Ecclesia trata-se de uma reunião ou assembléia de um grupo de pessoas em um determinado local com uma determinada finalidade. Como por exemplo em Atos 7:38 observa-se a congregação dos Israelitas com Moisés no deserto (Nm.14:3-4). Já em Atos 19:32, 40, ecclesia fala de uma assembléia, ajuntamento de pessoas contra o apóstolo Paulo em Éfeso. Das 115 ocorrências da palavra ecclesia no Novo Testamento, 111 referencia-se a igreja cristã. No entanto, só existem dois versículos apenas que citam o nome ecclesia nos evangelhos (cf. Mateus 16:18 e 18:17). Para Jesus, ecclesia é a comunidade de pessoas (discípulos) que possuem a revelação de que Jesus Cristo é o filho de Deus que se fez carne, e que esta revelação, fará com que as portas do inferno (qualquer idéia ou conceito fora da revelação da pessoalidade de Jesus Cristo) não prevaleça contra a Igreja ecclesia comunidade de discípulos. Então, qualquer conceito fora da verdade da revelação da ecclesia, é de fora. Ecclesia é o chamado para fora dos conceitos e definições dos de fora que não possuem a revelação acerca de Jesus no ajuntamento. Quando saímos para fora entramos para a revelação, a verdadeira ecclesia é chamada para fora e a entrada para dentro da verdade (revelação). A ecclesia se concretiza na encarnação do Verbo e na fé dos homens, que assumem os limites da comunidade dos que acreditam, no tempo, no espaço geográfico e na cultura. A Igreja ecclesia também é dom, porque ela parte de Deus e se inicia a partir de Deus, porque não é carne e sangue que trás a revelação, mas Deus. A Igreja não é só dom, mas também é aceitação humilde do homem desta revelação (este é o nosso arbítrio, nossa parte). A verdade deve ser considerada, pensada e assumida interiormente no coração. A fé é o ato que o homem se abre para Deus e acolhe a revelação, e os dois termos revelação e fé, juntos é igual à SALVAÇÃO. A fé é o homem assumindo a realidade constituidora da Igreja. Para uma pessoa salva, o inferno não prevalece.
O apóstolo Paulo emprega a mesma expressão Igreja de diversas formas:
a) No nível familiar como a igreja que se reúne nos lares – (Rm.16:3-5; Cl.4:15; Filemom 1:2; ICo.16:19).
b) No nível da cidade, a igreja que esta em Corinto, a igreja de Esmirna e Filadelfia – (1Co.1:7; 2Co.1:1; Apc.2:8; e 3:7).
c) No nível de uma província, como a igreja que esta na Galácia, em Macedônia, na Ásia – (1Co.14:34; 2Co.8:1; 1Co.16:19).
d) No nível de igrejas distribuídas em várias regiões do império – (Rm.16:23; 16:16; Cl.1:24). O significado mais profundo e menos admirado é a igreja universal, o corpo de Cristo. Nesta definição a igreja é o organismo espiritual composto de todos os regenerados através da fé em Cristo. Cristo é a cabeça da Igreja e a igreja é o seu corpo (Ef.1:22,23; 4:15-16).

Concluindo, a igreja, que é o corpo de Cristo, a comunidade da revelação, se realiza se manifesta concretamente de múltiplas formas, onde seus fiéis se reúnem para expressar sua fé, celebrar a presença do Espírito e comungar com os irmãos. A comunidade receptora da revelação do caminho, enveredou-se nela, e no caminho, ainda estão a caminho de forma imperfeita, porém santa e salva, sujeita a encurvamentos por seus pecados até que o seu Senhor venha buscá-la.

2 – COMUNIDADE DA FÉ E CULTURA

Conforme exposto acima, compreendemos que Deus deu a revelação, o homem reagiu a esta revelação (fé) e se reuniu criando assim uma cultura.
¹(Souza p.56), define cultura como sendo um complexo diverso e ao mesmo tempo unitário que inclui todo comportamento, capacidades e hábitos adquiridos por indivíduos que tomam parte de uma sociedade formalmente definida. Considera ainda que a realidade da fé de uma comunidade não pode ser confessada fora de uma mediação cultural, porém ao exteriorizar-se a comunidade corre o risco de demonstrar uma fé empobrecida, porque ela mescla-se com o indivíduo e o resultado é o aparecimento dos dois (testemunho). Para se enxergar claramente, é preciso conhecer os dois, tanto a revelação como o portador dela (discernimento).
Comenta ainda (Souza p.57) que no livro de Gênesis Deus incentiva o homem a produzir cultura na forma de permitir que ele institua atos, nomear nomes, exercer tarefas, classificar e dividir o tempo, inventar modos de exercer domínio sobre os outros seres. Dessa forma, uma cultura ou um comportamento instituído como: Santa ceia, batismo, ritos, liturgias, testemunho da fé, circuncisão, etc., podem ser inspirados por Deus, porém o modo e os meios de realização serão sempre uma decisão humana culturalmente influenciada.
A revelação bíblica como um bem a ser comunicado, acondiciona um mandato cultural sob diversos sentidos:
a) Não existe revelação sem mediação cultural – A medida que a revelação deixa de ser sentimento e torna-se linguagem simbólica, ela só assumirá identidade no mundo humano senão por meio dos recursos disponíveis no universo cultural na felicidade de ser compreendida, percebida para poder ser sentida. A crença só será veiculada por intermédio da cultura, intercâmbio dos fluxos. O Verbo, que era Deus, para revelar-se aos homens fez-se carne e manifestou-se culturalmente, trazendo o conhecimento da glória de Deus.
b) O testemunho cristão é comunicação - Não haverá contato com o mundo sem um sistema simbólico inteligível que permita a circulação da informação. Ela tem que assumir uma língua, um gesto, ela assume a ética e a moral.
c) A instituição da igreja socialmente organizada, por mais simples que seja, é inquestionavelmente um processo de aculturação - A Igreja ao instalar-se entre as cidades e nações não faz missão sem interagir com os padrões culturais de suas comunidades, ela ao mesmo tempo assimila, nega, transforma e assume tais padrões. A presença da Igreja no contexto cultural só acontece em processos de adaptação da revelação ao mundo da cultura.

3 – FÉ E INSTITUCIONALIZAÇÃO

Em Jesus temos a definição de fé como o exercício das possibilidades ilimitadas. Já no livro de hebreus define como sendo o firme fundamento das coisas que se esperam e a certeza de fatos que se não vêem. Instituir significa congelar comportamentos e disciplinar as ações dos indivíduos. Se entendermos que a fé é ilimitada, então ela não é objeto de institucionalização. A fé não expressa a institucionalização, mas a instituição dita as práticas e as ações coletivas, que nem sempre são coerentes com a fé, ou seja, a institucionalização não esta na ordem da fé. Na instituição as pessoas não precisam necessariamente de uma revelação para criar uma igreja. Igreja socialmente organizada, no contexto de uma cultura religiosa, não tem como garantir a canonicidade da revelação sem impor ao fato revelado uma perda de qualidade (Souza, p.60)¹. Concluindo, seja qual for a representação cultural da igreja de Jesus Cristo aqui, ela subtrai enormes quantidade de bens da natureza da revelação de Deus.

4 – IGREJA, ESTRUTURA, MODELOS E APARÊNCIA

Não são poucos os pastores e estudiosos da Bíblia Sagrada que suspeitam que o modelo da igreja local dentro do senso comum existentes atualmente, não combinam com o que a igreja (eclésia) deve ser e fazer. Suspeitam que os costumes, estruturas e formas de igreja local às vezes tem sido uma barreira que vai de contra aos propósitos originais da sua gênese.
(Horrell, p.9), em um de seus textos intitulado “A essência da igreja”, comentou que um grupo de pastores chegou à conclusão que a igreja gira em torno de quatro conceitos centrais: O templo, o sábado cristão (que no nosso caso é o domingo), o culto e o clero.
a) Igreja como templo – É ter terreno, ter prédio, estar sediado no que chamamos casa de Deus, o templo. O que fazemos para Deus se faz lá.
b) Ser igreja é guardar o domingo, o dia em que se centraliza nosso culto e serviço ao Senhor. Quando se faz algo fora desse dia, parece até que se esta dando um brinde a Deus.
c) Ser igreja é ter culto, considerado como reunião principal dos crentes e também apresentar como palco Deus para o incrédulo. A idéia é que no culto é que encontramos Deus.
d) Ser igreja é ter clero, quem nos leva a Deus e traz Deus a nós. O pastor é o homem de Deus, profeta, intercessor pelo povo.
Sem esses quatro fundamentos não há igreja. Na realidade somos mais veterotestamentarios do que neotestamentários em nosso pensamento sobre a igreja. È de se admitir não tenha dúvida que certos elementos da igreja local são absolutamente prescritos no Novo testamento: no mínimo, deve existir uma liderança qualificada, o batismo e a ceia do Senhor. Esses são inegociáveis. Importante também salientar dentro de uma perspectiva prática que a forma da igreja local é necessária para que se concretizem os propósitos de Deus na vida de seus membros (grifo meu). Sendo assim ressalto que a igreja deva através de seus ministérios facilitar o aperfeiçoamento de cada membro para eles andarem como Cristo andou nesse mundo.
O propósito, o modelo e a aparência da igreja refletem, para o mundo, o tipo de Deus que adoramos. Deus é um ditador espiritual sobre suas ovelhas? È sorridente, buscando continuamente ser aceito pelo povo? Ele é austero, sempre negativo? Ele é animador de festas, com gritos, danças, sapateados e gritos de aleluias? Ele é desorganizado? È superorganizado? Só gosta do antigo? Só gosta do novo? È intolerante? Deus só quer nosso dinheiro? Ama só quem tem terno, gravata ou usa roupas da moda? Ama o favelado e o pobre? Por meios das formas e do funcionamento da igreja, a nossa aparência leva infinidades de informações sobre a natureza de Deus que a comunidade desfruta e diz servir. Infelizmente são justamente essas coisas que ofuscam as Boas Novas de Jesus Cristo no que tange ser a igreja de Jesus. As pessoas não conseguem enxergar a igreja criada por Jesus, ela foi substituída por outra, ao invés da revelação de Cristo, da verdadeira espiritualidade, do fruto amor, caráter, da ética, da moral, a ênfase dos propósitos da igreja voltam-se mais para a sua forma, seu dogma, sua tradição, sua aparência estética e seu modelo institucional. Relativizaram o absoluto e absolutizaram aquilo que é relativo.
Todos concordam que há certas distinções entre a maneira de que Deus operava através de Israel e através da igreja depois do pentecostes.
Adoração centralizadora - Com o estabelecimento da monarquia de Israel, a adoração e o serviço a Deus ficaram orientados em torno de Jerusalém. As nações foram convidadas a reconhecer Israel como o mediador de Deus na terra. Para cultuar o verdadeiro Deus, os gentios deveriam chegar a Israel, e não apenas a Israel, mas a Jerusalém. A partir disso, o culto foi orientado à cidade de Sião, ao templo e ao Santo dos Santos. Havia uma hierarquia de levitas, sacerdotes e sumo-sacerdotes que se tornaram os mediadores entre Deus e o homem. Eles eram os especialistas e profissionais tanto dos sacrifícios, cerimônias como também da lei mosaica. Havia dias especiais, festas religiosas e o sábado, que marcavam, diante dos povos, a aliança entre Isael e Deus. Para o israelita, pelo menos em princípio, o exterior era a concretização do interior. As realidades físicas era os meios de expressar vividamente sua fé e adoração ao Senhor Deus. Tudo isso, essa forma de adoração foi detalhadamente prescrita pelo próprio Deus na Lei, era o que Deus exigia. Portanto, essa era a maneira de cultuar e servir a Deus de uma forma centralizadora, ela centralizava-se racionalmente nos judeus, na geografia, na cidade de Jerusalém, no templo, no sábado e em certas festas religiosas, nas hierarquias religiosas mediadoras, pois sem sacerdotes era ilícito oferecer sacrifícios.
Adoração descentralizadora – Quando comparamos a Igreja do Novo Testamento, observa-se claramente a inversão desta forma antiga do reino de Deus.
a) Igreja povo de Deus – Ao invés de centralizar-se nos judeus, a Igreja se tornou aberta para todos os povos. De Judeus e gentios, Deus fez um povo só, não existe mais parede de separação, agora existe uma nova raça eleita, uma nova nação santa, uma comunidade espiritual (1Pe. 2:9). Temos filiação direta com Deus.
b) Igreja lugar - Ao invés de centralizar-se geograficamente em Israel, Jerusalém e templo, os cristãos foram mandados de Jerusalém para Judá e Samaria, até os confins da terra. Com isso, aprendemos que os cultos de hoje não devem unicamente se restringir ao prédio da igreja. Esquecemos que, na igreja primitiva as reuniões eram nas casas residenciais e quando acontecia no templo ou sinagoga, havia conflitos de interpretação e confusão. A geografia não é tão importante, pois onde há um cristão, ou dois ou três, o templo de Deus está ali (1Pe.2:5).
c) Dia – Ao invés de centralizar-se temporariamente no sábado e nas festas judaicas, a fé cristã se tornou algo a ser praticado no dia-a-dia, liberando o cristão para escolher quando adorar (Rm.14:5-6)
d) O clero – Ao invés de centralizar-se numa hierarquia sacerdotal, cada cristão é declarado sacerdote, com acesso direto ao Deus Pai através de Jesus Cristo (1Pe.2:5). O novo testamento destaca a necessidade de uma liderança através de bispos, presbíteros, pastores e anciãos (todos esses termos são sinônimos, confira (At.20:17,28; 1Pe.5:1-4), e também de diáconos (1Tm.3:8-11). Portanto o lider neotestamentário não afunila todos os esforços e recursos do rebanho para a igreja local (ou para os planos dele), no entanto é o que mais se vê por aí. O líder não assume uma posição de rei ou sacerdote, nem executivo ou chefão, ao contrário, a liderança foi concedida ao Corpo de Cristo para aperfeiçoar cada membro da igreja como sacerdote neste mundo (cf.Ef.4:11-16). Ela equipa e liberta os membros para servirem o Senhor nas diversas atividades da vida. Finalmente, ao contrário do Antigo testamento, a Igreja cristã é um organismo centralizado somente em Jesus Cristo e caracterizado cada vez mais no Novo Testamento. Então, o povo, o templo, o dia e de uma certa forma o clero são periféricos aos propósitos centrais da igreja.
Diante desta exposição, fica o desafio: Será que é assim que funciona a igreja evangélica de hoje? As suas formas estão equipando os santos para viverem Cristo no mundo? Será que estão sendo verdadeiros irmãos e irmãs espirituais de outros irmãos? Será que como pastores estamos mais preocupados em construir e aumentar nossos templos? Será que canalizar a energia dos membros para os cultos e programas da igreja local aos domingos é o ministério principal da igreja? Será que estamos crescendo pelo fato de assegurar a fidelidade dos membro na denominação? Isso deve ser respondido com embasamento bíblico, coragem e oração.

BIBLIOGRAFIA

¹ - HORRELL, J.Scott. Ultrapassando Barreiras: Novas opções para a Igreja Brasileira na virada do século XXI. 1ª Ed. São Paulo: Editora Vida Nova, 1994.

BOOF, Leonardo. Eclesiogênese: A reivenção da Igreja. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 2008.

Missão integral, Segundo Congresso Brasileiro de Evangelização, Editora Ultimato, Edição 2004.